Por dentro da nova mania adolescente de distribuir imagens íntimas
por celular e pela internet – e como ela alimenta a onda de vinganças
digitais.
Para quem não sabe, Sexting é a palavra que agrega sex (de sexo, em inglês) e texting (de trocar textos e imagens pelo celular) e que virou febre entre grupos de amigos (e inimigos)
Pouco mais de duas décadas atrás, quando um grupo
de adolescentes se reunia no vestiário da escola ou do clube, o máximo de
erotismo a que eles tinham acesso era uma revista que mostrava fotos de mulheres
com os seios de fora. Nu frontal, só em publicações estrangeiras. Imagens de
sexo explícito só apareciam nas histórias pornográficas desenhadas por Carlos
Zéfiro. Hoje, quando o sinal do intervalo dispara e um grupo de alunos deixa a
sala de aula para colocar em dia a conversa com os colegas, muitos têm algo bem
mais picante para mostrar no visor do celular. O que os excita são as cenas de
adolescentes nuas ou praticando sexo. Não se trata de cenas baixadas da
internet, mas gravadas por colegas e distribuídas por tecnologias a que todo
celular hoje em dia tem acesso, como o Bluetooth. O fenômeno de fotografar ou
filmar a si próprio em momentos de intimidade e transmitir as imagens por
celular nasceu nos Estados Unidos, onde é chamado de “sexting” – neologismo que
une sex(sexo) e texting (a troca de mensagem de texto pelo telefone). Em pouco
tempo, a mania se espalhou como vírus.
Uma pesquisa publicada em dezembro
passado comprova que, nos EUA, o sexting é mais comum do que imaginam os pais.
Segundo o estudo, um em cada cinco jovens americanos com idade entre 13 e 19
anos já enviou pelo celular algum tipo de foto ou vídeo de si mesmo nu ou
seminu. Para chegar ao resultado, a organização não governamental National
Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregnancy (Campanha Nacional para
Prevenção dos Jovens e Gravidez Não Planejada) ouviu 1.280 adolescentes
americanos entre 13 e 26 anos. Entre os jovens de 20 a 26 anos, o fenômeno é
ainda mais comum: um terço dos entrevistados declarou já ter praticado o
sexting. As histórias nem sempre têm desfecho inocente – a brincadeira que
costuma oscilar entre a travessura e a pornografia está virando um problema para
pais e os próprios adolescentes. No Brasil ainda não há dados sobre a extensão
do fenômeno, mas já existem vídeos que se tornaram sucesso de público. Um deles
foi colocado na internet com um link que pode ser acessado pela comunidade da
torcida do Flamengo no site de relacionamentos Orkut.
Brincadeiras de mau gosto desse tipo fazem parte de
outro fenômeno – o espírito vingativo de ex-namorados que passam a divulgar
imagens da intimidade do antigo parceiro como forma de manchar sua reputação. A
prática da vingança digital teve início quando um ex de Paris Hilton colocou na
internet o vídeo em que os dois fazem sexo. Paris Hilton só ficou mais famosa
depois do episódio, mas nem sempre o final da história é tão simples.
Em julho do ano passado, uma
adolescente americana se suicidou depois de um escândalo de sexting. Jessica
Logan, então com 18 anos, queria presentear o namorado. Fotografou-se sem roupa
e enviou pelo celular as imagens para o garoto. Quando o relacionamento de dois
meses terminou, o jovem não hesitou em compartilhar as imagens da ex-namorada,
uma líder de torcida loira, extrovertida e atraente, com os amigos de seu
colégio, na cidade de Cincinnati. Em pouco tempo, a foto de Jessica percorreu
sete colégios. A garota não aguentou as provocações. Chamada de “piranha” e
“vagabunda”, entrou em depressão e começou a faltar às aulas. Até que se
enforcou. Hoje, seus pais lutam por uma legislação específica para julgar os
desdobramentos do sexting. “É uma epidemia nacional. Ninguém está fazendo nada –
nem as escolas, nem a polícia, nem os adultos, nem os advogados, ninguém”, disse
Cynthia Logan, mãe de Jessica, às vésperas do lançamento de uma campanha
nacional nos Estados Unidos que pretende conscientizar escolas e alunos sobre o
problema. Quatro Estados americanos já classificam o sexting como crime de
pornografia infantil ou exploração sexual de menores. Em fevereiro, 17
adolescentes americanos que praticaram o sexting foram acusados pelo crime de
pornografia infantil – embora as imagens divulgadas fossem deles mesmos. Na
semana passada, um juiz federal da Pensilvânia, EUA, suspendeu o andamento de um
processo que acusa três garotas de pornografia infantil. As meninas aparecem
nuas em fotos que estavam em seus telefones celulares, apreendidos por
funcionários de uma escola de Wyoming County, na
Pensilvânia.
No Brasil, o
adolescente que virou refém de suas próprias fotos ou vídeos ainda encontra
dificuldade para ver o culpado punido. “Eu queria que meu ex-namorado pagasse
pelo que fez porque não consigo mais emprego depois que toda a cidade viu minhas
fotos”, diz Tayla Predalla, uma estudante de biologia de 20 anos de Penápolis,
cidade de 56 mil habitantes, no interior de São Paulo. Tayla tinha 17 anos e
cursava o ensino médio quando seu então namorado a fotografou enquanto faziam
sexo. O namoro terminou em chantagem, e o garoto enviou as imagens para todos os
nomes de sua lista de e-mail. Três anos depois, em setembro do ano passado,
Tayla e o ex foram convocados para depor. Não houve punição. “Terei de conviver
para sempre com pessoas que vão comentar sobre o que fiz com 17 anos”, diz
ela.
Segundo o advogado Marcel
Leonard, especialista em Direito Eletrônico, os casos de difamação na internet
estão cada vez mais frequentes, ainda que poucas vítimas levem o problema aos
tribunais, por medo da exposição. “A vítima é, geralmente, a moça cujo marido ou
namorado conseguiu convencê-la a se deixar filmar ou fotografar”, diz Leonard.
Em janeiro de 2006, a jornalista Rose Leonel, de 38 anos, que vive em Maringá,
no Paraná, encontrou na internet 480 fotos e um vídeo com cenas íntimas feitas
por um ex-namorado, junto com números de telefone dela (o celular, o da casa e o
do trabalho). Além de exibir as imagens, a página da internet dizia que a garota
era uma prostituta. “Perdi meu emprego e passei a receber ligações até de fora
do país: Holanda, Portugal, Estados Unidos”, diz ela. “Depois de mais de um ano
de ataques incessantes, ele começou a colocar minhas imagens em sites de
pornografia, no Brasil e no exterior.” Ela contratou um especialista em
segurança da informação que conseguiu provar de onde partiram as imagens e
informações. “Movi um processo criminal contra ele e o técnico de informática
que o ajudou. Pagaram ínfimos R$ 3 mil. Depois de três anos, eu era uma
figurinha comum nos sites de prostituição.”
Hoje, o caso está novamente na Justiça, e
seu advogado pede uma indenização de R$ 500 mil. “Sei que minha vida nunca mais
será a mesma”, diz Rose. “Mas as pessoas precisam saber que crimes assim podem
ser rastreados, desvendados e punidos.” Wanderson Castilho, o especialista em
segurança da informação que conseguiu provar que foi o ex de Rose quem divulgou
os vídeos na internet, diz que, de cem casos de difamação e atentado contra a
honra na internet, apenas dois são solucionados no Brasil.
Apesar de ainda serem raros nos tribunais
brasileiros, os processos desse tipo estão gerando indenizações expressivas. A
mais alta até agora ficou em R$ 100 mil, fixada por um tribunal de Minas Gerais.
Mas, nesse caso, não se trata de uma vingança de ex. A vítima, que mora em São
Paulo, recebeu e-mails anônimos com as fotografias, que, segundo ela, são
montagens feitas com seu rosto. As mensagens foram enviadas durante dez meses
para diversos endereços eletrônicos, a partir de uma conta de e-mail criada com
o nome dela. Depois de muita insistência, a vítima conseguiu na Justiça que a
operadora de telefonia fornecesse os dados do usuário do computador de onde
partiram os e-mails. Com isso foi possível rastrear as mensagens eletrônicas e
chegar a um computador na cidade de Teófilo Otoni. A primeira sentença estipulou
uma indenização de R$ 5 mil. Mas a vítima recorreu, e o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais elevou o valor em 20 vezes. “Isso pode ser uma maneira de compensar
a falta de uma legislação mais rígida para esse tipo de caso”, diz o advogado
Renato Opice Blum. “O grande diferencial da internet é que um e-mail atinge
milhares de pessoas em questão de minutos.”
A menina
que faz uma imagem de si mesma nua está lutando por sua
popularidade
Para os
psicólogos, duas questões se combinam quando a tecnologia abre espaço para
manifestações da sexualidade. A primeira é a competição acirrada pelo poder
dentro de um grupo, sobretudo na adolescência. “A menina que se fotografa nua
está, na verdade, lutando com outras garotas para promover sua popularidade”,
afirma a psicóloga americana Susan Lipkins. Ela está conduzindo um estudo com
300 jovens para entender o fenômeno do sexting. Os resultados da pesquisa serão
divulgados em um mês, mas Lipkins adianta alguns traços comuns entre os
adolescentes envolvidos. “Quem envia esse tipo de imagem a um pretendente está
inconscientemente testando seu valor de mercado dentro de um grupo.”
A segunda questão é a frágil noção de
privacidade dos adolescentes. Para a psicóloga Leila Tardivo, do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, “o jovem precisa saber que tudo o que
ele faz nessa extensão virtual de sua vida pode ter impactos na vida real”. Para
evitar os problemas como os que infernizaram a vida da paranaense Rose e da
paulista Tayla, vale um conselho: não se deixar filmar nem fotografar na
intimidade. E evitar fazer isso mesmo sozinha ou sozinho. Nunca se sabe quem vai
ter acesso à memória de seu computador.
Fonte: Fernanda Colavitti e Andres Vera em
REVISTA ÉPOCA
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